A luta pela vida na Terra começou quando surgiu uma molécula capaz de formar cópias de si mesma: a molécula de RNA. Mais tarde, por pressão da necessidade em armazenar maior quantidade de informação genética, o RNA deu origem ao DNA.
Na versão humana corrente, a cadeia de eventos que vai das primeiras moléculas auto-replicantes ao aparecimento dos mamíferos é um fenômeno evolucionário predestinado a atingir o apogeu da Criação: o Homo sapiens. Para justificar essa posição majestática entre os seres vivos, vangloriamo-nos da complexidade de nosso sistema nervoso, como explicam os mais racionais. Ou, de termos sido criados à imagem e semelhança do Criador, como preferem os religiosos.
Há 150 anos, quando a ciência ainda pregava que todas as formas de vida teriam sido criadas por Deus num único dia, dois naturalistas ingleses, Wallace e Darwin, enunciaram uma teoria maravilhosamente simples: cada pequena variação genética presente num ser vivo, quando útil, é transmitida às gerações futuras. Na competição pela vida, as mais aptas sobrevivem e se multiplicam. Charles Darwin chamou essa teoria de seleção natural. Com a parcimônia que caracteriza nossa espécie, em vez de seleção natural, preferimos acreditar numa evolução natura, segundo a qual a competição teria tido como objetivo permitir que as espécies evoluíssem até chegar ao homem. Embora não se possa descartar definitivamente a hipótese de que o sonho das amebas seja gerar uma descendente que case com o príncipe da Inglaterra, os dados paleontológicos apontam na direção oposta à da visão evolucionista, antropocêntrica.
As bactérias mais antigas, encontradas em rochas de 3,5 bilhões de anos, se multiplicaram e a vida unicelular dominou a Terra por quase 3 bilhões de anos. Então, 600 milhões de anos atrás, nasceram os primeiros seres multicelulares, surgiram o sexo e as versáteis combinações de genes que deram origem a fungos, plantas, vermes, mosquitos, dinossauros, formigas e muitas outras formas de sucesso ou fracasso ecológico.
A lei universal de Darwin explica que a Homo sapiens surgiu como conseqüência de um fenômeno raramente aleatória, em nada diverso do que deu origem aos besouros ou as árvores com flor.Na linhagem evolucionária que conduziu à nossa espécie, as coincidências foram tantas, que é provável estarmos solitários no universo. Há 530 milhões de anos, por exemplo, ocorreu uma explosão sensacional de biodiversidade na Terra. Entre as formas de vida presentes naquele momento havia urna criatura aquática dotada de um eixo dorsal chamado notocordia, precursor de nossa coluna vertebral. Estivesse extinta essa criatura naquele instante, nem sonharíamos existir.
Mais tarde, ainda debaixo da 'água, surgiu um peixe com coluna vertebral dura e pouco flexível, desvantagem grande para nadar, porém fundamental para suportar o corpo na terra.
Sem esse nadador desajeitado, não teriam surgido os animais terrestres.
Há meros 65 milhões de anos, quando a Terra era dos dinossauros e os mamíferos constituíam um pequeno grupo de roedores noturnos, caiu um meteorito que abriu uma cratera de 10 quilômetros de diâmetro na península de Yucatan, no México.
Há meros 65 milhões de anos, quando a Terra era dos dinossauros e os mamíferos constituíam um pequeno grupo de roedores noturnos, caiu um meteorito que abriu uma cratera de 10 quilômetros de diâmetro na península de Yucatan, no México. Provavelmente, conseqüência da poeira levantada e da atividade vulcânica que se seguiu ao impacto, os dinossauros foram extintos de urna vez (os únicos dinossauros que sobraram foram as aves). Um desvio de milésimo de grau na rota desse corpo celeste, e seriam eles os donos do planeta até hoje, como o foram par 200 milhões de anos.


Nas savanas da África, há 5 milhões de anos (um segundo no relógio evolucionário), apareceu um primata de 1 metro de altura que, pressionado pela falta de comida nas árvores e pela geografia da savana, adotou a posição bípede. Devido à configuração dos músculos da laringe, tal primata desenvolveu uma linguagem de complexidade gramatical sem precedentes, que teria exercido pressão irresistível sabre o cérebro para desenvolver o lobo frontal. A aquisição do lobo frontal, além de deixar a testa menos achatada do que a dos chimpanzés e gorilas, multiplicou a capacidade de planejamento de nossos ancestrais a níveis incomparáveis com
outras espécies.
Do ponto de vista filosófico, a visão do surgimento do homem como resultado do acaso é insuportável para os que procuram um significado transcendental para a vida. Na própria sucessão dos acontecimentos que levaram ao homem, os religiosos identificam o dedo do Criador. Antagonicamente, os que interpretam o mecanismo de criação e diversificação da vida como simples capricho de moléculas replicantes em competição permanente pela reprodução de cópias consideram que uma intervenção divina subtrairia a beleza infinita do processo.
Drauzio Varella - CAROS AMIGOS - ABRIL 2000
Do ponto de vista filosófico, a visão do surgimento do homem como resultado do acaso é insuportável para os que procuram um significado transcendental para a vida. Na própria sucessão dos acontecimentos que levaram ao homem, os religiosos identificam o dedo do Criador. Antagonicamente, os que interpretam o mecanismo de criação e diversificação da vida como simples capricho de moléculas replicantes em competição permanente pela reprodução de cópias consideram que uma intervenção divina subtrairia a beleza infinita do processo.
Drauzio Varella - CAROS AMIGOS - ABRIL 2000